Morreu no dia da criança, há cinco anos. Lembro-me que, quando soube que partira, achei logo bonito e ainda mais triste. Um avô morrer no dia da criança! No dia dos netos, porque quando se é neto é quando se é mais criança.
O meu avô era muito avô. E podia sê-lo, porque, antes de ficar doente, o seu quotidiano não lhe pesava. A minha avó tudo fazia para lhe proporcionar uma existência prazenteira e despreocupada. No seu ofício de avô, rodeava-nos de gelados e guloseimas, sem olhar a preços, quantidades ou malefícios, como os avós estão programados para fazer. Levava-nos a passear, dividindo-se entre o prazer de conduzir os seus reluzentes e imaculados bólides e exibir netos aos conhecidos que encontrava.
Ao fim-de-semana, ansiávamos sempre pela hora da sesta depois de almoço. Nessas tardes, não eram belas histórias de príncipes e princesas que nos lia. Eram contos de terror de sua lavra, cheios de onomatopeias assustadoras, ameaças fatais e vilões sanguinários. Claro que tudo acabava numa sessão de cócegas, que nunca ninguém conseguiu explicar como traziam o sono.
Era topógrafo e, quando trabalhava fora do seu estirador, das suas lapiseira e da sua máquina de calcular complicada, transportava-se num imenso e resistente jeep Portaro. Por vezes, ía buscar-nos a casa e levava-nos com ele. Ficavamos a ver o que fazia, imaginando o que veria quando espreitava pela lente daqueles tripés amarelos e cor-de-laranja, quase sempre no meio de pinhais silenciosos. Nós em silêncio também, claro. Depois íamos comer mais um gelado, está bom de se ver.
Tinha os pés mais bonitos que já vi a alguém, chocolates escondidos na mesa-de-cabeceira, sarcasmo para distribuir por todos, humor certeiro e mordaz, vinis de todas as tendências políticas, fumava SG Gigante, usava relógio de bolso e uma bolsinha de malha de prata para as moedas, fazia-se cumprimentar com um beijo na careca e era muito, muito vaidoso. Nunca teve uma figura de avôzinho porque se aperaltava demais para o conseguir e sempre nos garantiu que depois de morrer, viria atazanar-nos. E atazana. Com saudades.
O meu avô era muito avô. E podia sê-lo, porque, antes de ficar doente, o seu quotidiano não lhe pesava. A minha avó tudo fazia para lhe proporcionar uma existência prazenteira e despreocupada. No seu ofício de avô, rodeava-nos de gelados e guloseimas, sem olhar a preços, quantidades ou malefícios, como os avós estão programados para fazer. Levava-nos a passear, dividindo-se entre o prazer de conduzir os seus reluzentes e imaculados bólides e exibir netos aos conhecidos que encontrava.
Ao fim-de-semana, ansiávamos sempre pela hora da sesta depois de almoço. Nessas tardes, não eram belas histórias de príncipes e princesas que nos lia. Eram contos de terror de sua lavra, cheios de onomatopeias assustadoras, ameaças fatais e vilões sanguinários. Claro que tudo acabava numa sessão de cócegas, que nunca ninguém conseguiu explicar como traziam o sono.
Era topógrafo e, quando trabalhava fora do seu estirador, das suas lapiseira e da sua máquina de calcular complicada, transportava-se num imenso e resistente jeep Portaro. Por vezes, ía buscar-nos a casa e levava-nos com ele. Ficavamos a ver o que fazia, imaginando o que veria quando espreitava pela lente daqueles tripés amarelos e cor-de-laranja, quase sempre no meio de pinhais silenciosos. Nós em silêncio também, claro. Depois íamos comer mais um gelado, está bom de se ver.
Tinha os pés mais bonitos que já vi a alguém, chocolates escondidos na mesa-de-cabeceira, sarcasmo para distribuir por todos, humor certeiro e mordaz, vinis de todas as tendências políticas, fumava SG Gigante, usava relógio de bolso e uma bolsinha de malha de prata para as moedas, fazia-se cumprimentar com um beijo na careca e era muito, muito vaidoso. Nunca teve uma figura de avôzinho porque se aperaltava demais para o conseguir e sempre nos garantiu que depois de morrer, viria atazanar-nos. E atazana. Com saudades.
12 comments:
a memória também pode ser assim, esta 'coisa linda' ainda que nostálgica de tornarmos o passado um pouquinho presente dentro de nós, de darmos voz a saudades, afectos, carinhos que nunca deixam de sere presentes naquele cantinho íntimo que só nós conhecemos...
:)*
que bonitas memórias, menina-alice. que bonito : )
Alice, a tua memória tb é "amiga" ;)
Bonita imagem que me deste (e soubeste guardar para assim nos dar) do avô Cornetto!
e ele não queria que lhe tirassem a foto, está muito claro!Mas ia querer que o lembrasses, e assim, como diz lacramF.
Era uma estrela o meu avô, cheio de estilo. :)
Que bom que vos soube bem também. ;)
Que bonito... ainda que nunca tenha conhecido nenhum dos meus avôs!
Adorei.
que maravilha, menina-alice.
adorei o teu avô.
:)
Saudade
Depois de tanto tempo, a saudade
É uma lembança ténue, uma quimera
Que no pensamento fica, feita espera
De si mesma, de alguma outra realidade
Já não é disto ou daquilo, é eternidade
Esta saudade que nos acompanha, que se preza
Nos faz olhar p’ra vida, sua natureza
É o único rasto que nos ficou da felicidade
Qual um vinho que nos oferece, o seu torpor
Nos confunde, nos empresta uma clareza
Nos rouba ela a nós mesmos com seu ardor
A saudade é tudo o que ficamos das pessoas que mais amamos...
adorei este momento que me proporcionás-te com o meu "avô querido"
adoreiiiiiiii
obrigada. que bom que gostaram. é isso, sister, temos de fazer com que a saudade seja bonita.
OS VELHOS
passaram simplesmente pela vida)
Passaram simplesmente pela vida
Como se fosse apenas um lugar
Alguns foram andando até parar
Outros marcaram hora de partida
Assim tão simplesmente como o mar
Que vaza para dar luz a outra vida
Deixaram de lembrança a ousadia
De ter desafiado o Universo
Se agora vou tentando pôr em verso
As mãos que nos afagam por magia
É só por saber não haver regresso
Dos dias que vivemos outro dia
Oh, e eu tenho andado longe dos blogs e só agora li isto, Alice. Que bonito :))) O que eu ando a perder.
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