February 20, 2007

Amélia Muge, Culturgest, 17 de Fevereiro de 2007

O alinhamento
Cântico do País Emerso (excertos), Natália Correia
Sete portas tenho em casa, Hélia Correia
À volta da sala, Amélia Muge
Entre o deserto e o deserto, António Ramos Rosa
Escutar Caetano, Amélia Muge
Ervas-de-cheiro, João Pedro Grabato Dias
O que vê o meu olhar, Amélia Muge
Fadunchinho, Hélia Correia
Visões do entardecer, Amélia Muge
Quem vier que venha (Saudação), Amélia Muge
Na noite mais escura, António Ramos Rosa
O anjo, Sophia de Melo Breyner Andresen
A garra do macaco, Laurie Anderson (trad. João Lisboa)
Chamaram-me cigano, José Afonso
Senhorecos, João Pedro Grabato Dias
Parece Maio, Amélia Muge
Transparência, Eugénio Lisboa


Encores (x3)
Não sou daqui, Amélia Muge
O Mal-Lavado, João Pedro Grabato Dias
Nevoeiro, Fernando Pessoa

O público
Heterógeneo e pleno de respeito pelos artistas. Em cúmplice reverência (é possível não ser cúmplice de Amélia Muge?), deixavamos que as músicas terminassem por completo para depois fazer larga despesa com os aplausos. Distendidas a tensão e cerimónia iniciais, foi possível distinguir alguns duelos pela última palma.


No palco
A Amélia, claro. O António José Martins (mais ou menos ubíquo). O Filipe Raposo, no piano e outras teclas. O José Manuel David, naquelas coisas todas fabulosas (voz incluída). O Yuri Daniel, contra-baixo e outras baixadas. O Carlos Mil-Homens, nas percussões. O António Jorge Gonçalves, a desenhar as músicas. A Cristina omnipresenteou-se de cada vez que soava o seu lobulophone.


O resto
Claro que sou suspeita para falar deste concerto. Estou encantada com o disco. Sempre gostei da Múgica. Sucede que, em boa verdade, o blog é meu e não preciso de parecer isenta ou distante. Posto isto, cabe-me dizer que a Amélia Muge é uma espécie de fada e que a música dela é o bosque que criou e onde vive. Felizmente, a entrada é livre e, como em tudo, basta acreditar que existe para estarmos lá também.

A mim impressionam sempre as pessoas que vivem a sua música tão intensa e honestamente que quase conseguem deixar de ser elas. A entrega sem cedências, que imagino numa espécie de limbo de consciência. A Amélia Muge também é assim e o tremor que a sua voz revela quando se dirige ao público, sume-se-lhe quando recomeçava a cantar. Depois é a criança das lenga-lengas e dos jogos com palavras. Do imaginário dos sonhos e das coisas mágicas. Quase conseguimos ver as palavras a crescer e a encolher, a torcerem-se todas com cócegas e a (des)fazerem-se em bolas de sabão.

Claro que não foi perfeito. Os desenhos só fizeram mesmo sentido quando acompanharam O anjo de Sophia. E, muito (mas mesmo muito) pessoalmente, incomodam-me sempre quaisquer tentativas de interacção com o público.

Remeto, no que não consigo escrever, para alguém que sabe das palavras infinitamente mais que eu:

Ela canta. Ela canta. É uma voz da terra, é uma voz das veias
Seria talvez um músculo sombrio, um ombro preso a um muro
Agora canta lentamente e é um monte sublevando-se
Uma coluna ondula e o seu volume cresce com o hálito da terra
É uma voz que canta com as secretas fontes do corpo
Com as pálpebras, com as púpilas, com os braços côncavos
E é como se reunisse em voluptuosas braçadas
as grandes flores do vento, as lentas anémonas do mar
Essa voz tem a nudez sombria de um afectuoso felino
e nasceu talvez da respiração quando dilatou o ventre
para libertar os tumultuosos arcos
que ela modela ao ritmo das sombras
e das lâmpadas vegetais entre os seus flancos azuis

(original de António Ramos Rosa, a propósito do canto de Amélia Muge)

2 comments:

Aldina Duarte said...

Estou desejosa de ouvir o disco! A voz da Amélia Muge não é mesmo daqui... da terra!


Até sempre

Inês said...

eu ainda só conheço o "não sou daqui" e é tão....*