Porque o tempo amainara, optei pela bicicleta. Conhecia mal a cidade e perdia-me quase sempre que a decidia usar. Bem, não era exactamente perder, era mais o ter de andar às voltas antes de chegar ao destino. A bicicleta-lagosta tinha umas tenazes vermelhas grandes a sair pelos punhos do guiador metálico hiper-brilhante e era bastante ergonómica. Manchester num intervalo da chuva (de certeza em distúrbio de memória pelos memoriais do Tony Wilson). O céu ainda de chumbo não permitia adivinhar o sol, embora o dia tivesse ganho aquele tom pérola que a água às vezes dá ao ar que sufoca os prédios tijolo-cinza. Pilares de cimento com ferros ferrugentos retorciam-se perto de armazéns quase todos abandonados, com a humidade a marcar a idade e o entulho encharcado a dificultar-me a passagem, obrigando-me a desviar e a desmontar. A casa dele era num desses armazéns abandonados e ele estava atrasado, como sempre. Nunca me recusava a passar por lá porque me confortava o ser vermelha e cor-de-laranja e cor-de-rosa e azul-turquesa lá por dentro. Parecia a tenda de um milionário do deserto. Parecia o peixe vermelho no filme cinzento.
Quando saímos, chovia fininho e tinham voltado a perseguir-nos. Felizmente a bicicleta-lagosta tinha-se transformado em carro-utilitário.
(se a cadela não tivesse ladrado, para onde teríamos ido?)
Quando saímos, chovia fininho e tinham voltado a perseguir-nos. Felizmente a bicicleta-lagosta tinha-se transformado em carro-utilitário.
(se a cadela não tivesse ladrado, para onde teríamos ido?)
2 comments:
Rumble Fish.
E este texto é mesmo muito cinematográfico. :)
É Rumble Fish, sim. :) Os meus sonhos, desde que tomo os comprimidos para deixar de fumar, são cinema com "C" grande. :D
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