Ontem passei o dia encarcerada na cave sem janelas de um hotel de Lisboa, num seminário prático sobre abstencionismo laboral. Numa espécie de masmorra com ar condicionado e alcatifas no limiar da obsolescência minimalista (nunca entendi porque não têm todos a alcatifa como no The Shining).
O grupo de formandos era interessante: um tinha uma pequena empresa de DVD's (uma das 6 ou 7 que existem e que fazem o 1.º DVD), duas eram de uma multinacional de telemóveis (vermelha), dois de um poderoso e ex-público gigante da energia a abarrotar de privilégios laborais (cor-de-laranja), uma de uma empresa de costureiras (mas muitas, muitas costureiras), outra de uma fábrica de conservas (também aqui quase apenas mulheres e a maioria em Rabo-de-Peixe) e quatro de uma empresa que não percebi de que era, mas que investe na formação dos seus efectivos.
O formador, esse, era underdog e, se o público não lhe tivesse calhado tão convenientemente heterogéneo e participativo, o tédio teria adquirido palpabilidade e odor de náusea. Era advogado e vinha de fatinho xadrez miudinho da moda, uns 30 e picos anos de anafada fanfarronice, a deixar verter por todo o lado os mecanismos que a experiência e as reciclagens de formação de formadores lhe deram para contornar o inadmissível desconhecimento e o intrépido desrespeito por quem trabalha o dia inteiro porque não pode mesmo fazer mais nada. Despudorado e exibindo com empáfia a sua irresponsável ignorância terá, certamente, dado o mote para se cometerem mais algumas barbaridades nos locais de trabalho, eventualmente fazendo transbordar copos com as gotas de água de chica-espertice de advogadozito de empresa com que asperge o auditório.
A criticar os currículos das universidades porque as cadeiras de Direito do Trabalho são dadas sempre com o foco nos direitos dos trabalhadores. Ele não! Desde logo sentiu o apelo do outro lado. E está ali, a formar pessoas - por maior que seja esse embuste que o Estado cauciona alegremente. Pessoas que o vão ouvir, ao advogado moderno, objectivo e impiedoso, com a imagem legitimada pelas séries americanas e que só pensa nos direitos dos trabalhadores na medida em que limitam a arbitrariedade da empresa, na medida da distorção possível prova e do seu (mau) uso nos processos disciplinares. O cinismo na sua encarnação mais davassa e amoral.
Positivo foi ter sido antes do vigésimo slide da apresentação que verifiquei que ele não só dizia "tem a haver" (para referir algo em relação com outro algo), como também o escrevia. Um advogado nunca o poderá fazer. O meu dia deu-se ali por perdido no que dizia respeito a aprender ou validar informação. Valeu ter confirmado - mais uma vez - que só poderia ter continuado a ser advogada em duas circunstâncias: se me esquecesse de mim ou se fosse cinturão negro de alguma qualquer arte marcial para me defender das sovas com que os colegas me iam presentear.
O grupo de formandos era interessante: um tinha uma pequena empresa de DVD's (uma das 6 ou 7 que existem e que fazem o 1.º DVD), duas eram de uma multinacional de telemóveis (vermelha), dois de um poderoso e ex-público gigante da energia a abarrotar de privilégios laborais (cor-de-laranja), uma de uma empresa de costureiras (mas muitas, muitas costureiras), outra de uma fábrica de conservas (também aqui quase apenas mulheres e a maioria em Rabo-de-Peixe) e quatro de uma empresa que não percebi de que era, mas que investe na formação dos seus efectivos.
O formador, esse, era underdog e, se o público não lhe tivesse calhado tão convenientemente heterogéneo e participativo, o tédio teria adquirido palpabilidade e odor de náusea. Era advogado e vinha de fatinho xadrez miudinho da moda, uns 30 e picos anos de anafada fanfarronice, a deixar verter por todo o lado os mecanismos que a experiência e as reciclagens de formação de formadores lhe deram para contornar o inadmissível desconhecimento e o intrépido desrespeito por quem trabalha o dia inteiro porque não pode mesmo fazer mais nada. Despudorado e exibindo com empáfia a sua irresponsável ignorância terá, certamente, dado o mote para se cometerem mais algumas barbaridades nos locais de trabalho, eventualmente fazendo transbordar copos com as gotas de água de chica-espertice de advogadozito de empresa com que asperge o auditório.
A criticar os currículos das universidades porque as cadeiras de Direito do Trabalho são dadas sempre com o foco nos direitos dos trabalhadores. Ele não! Desde logo sentiu o apelo do outro lado. E está ali, a formar pessoas - por maior que seja esse embuste que o Estado cauciona alegremente. Pessoas que o vão ouvir, ao advogado moderno, objectivo e impiedoso, com a imagem legitimada pelas séries americanas e que só pensa nos direitos dos trabalhadores na medida em que limitam a arbitrariedade da empresa, na medida da distorção possível prova e do seu (mau) uso nos processos disciplinares. O cinismo na sua encarnação mais davassa e amoral.
Positivo foi ter sido antes do vigésimo slide da apresentação que verifiquei que ele não só dizia "tem a haver" (para referir algo em relação com outro algo), como também o escrevia. Um advogado nunca o poderá fazer. O meu dia deu-se ali por perdido no que dizia respeito a aprender ou validar informação. Valeu ter confirmado - mais uma vez - que só poderia ter continuado a ser advogada em duas circunstâncias: se me esquecesse de mim ou se fosse cinturão negro de alguma qualquer arte marcial para me defender das sovas com que os colegas me iam presentear.
3 comments:
"Ontem passei o dia encarcerada na cave sem janelas de um hotel de Lisboa, num seminário prático sobre abstencionismo laboral. Numa espécie de masmorra com ar condicionado e alcatifas no limiar da obsolescência minimalista"
Ou seja, o cenário perfeito que, acima de tudo, convida ao abstencionismo laboral.
O pensamento "preferia estar a trabalhar" aflorou a tua mente? Se foi o caso, o seminário teve resultados práticos.
Também, bem conversadinho, tudo convida. :D
Não aflorou. Teve momentos interessantes pelos formandos. Além do mais, como já te disse, o meu local de trabalho não anda um sítio onde se deseje estar.
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