Ponto prévio 1: fumar foi, é e será sempre uma das coisas que mais gosto de fazer. Se eu pudesse fumar sem correr o risco de morrer agarrada a uma garrafa de oxigénio antes de o meu filho ser crescido, prescindiria da companhia, do carinho e da atenção de grande parte das pessoas que conheço, deixaria de ir aos restaurantes de que mais gosto e, mesmo que os Sopranos não tivessem existido e começassem agora e eu soubesse de antemão que aquilo era da potência que foi, eu não veria. Fumar, para mim, é(ra) mesmo bom.
Ponto prévio 2: deixei de fumar mas, meses antes de o fazer efectivamente, passei a fumar onde os fumadores agora têm de fumar lá nosítiondéqueutrabalho, proibi(-me) o fumo no meu gabinete, deixei de fumar em casa e, há já muito tempo, deixara de fumar nos balcões que, na sua maioria, ostentavam proibições de fumo. Preferia sempre que possível as esplanas, se a meteorologia não fosse inteiramente adversa (frio ou calor). Fumava mal saía do cinema ou de um concerto ou de uma exposição. Fumava nos restaurantes, nos bares, nos centros comerciais (fora das lojas, bem entendido). Fumava em casa dos meus amigos onde se fumava (bem, isso agora ainda fumo, lá muito de vez em quando). Não fumava nos carros. Em casa da família já me tinha remetido ao quintal ou à varanda há vários anos. Na rua também, pois.
Ponto prévio 3: já o escrevi aqui, para mim seria muito melhor um mundo onde ninguém fumasse porque assim a minha vontade de fumar dependeria exclusivamente de mim e isso eu vou dominando, umas vezes pior que outras, mas com sucesso em 97% das vezes. Fixe, fixe, era deixar de haver tabaco. Mas não pode ser. Nem faria sentido. Sobretudo porque eu concordo muito com o que a isabela escreveu e, por isso mesmo, vou reproduzi-lo na íntegra aqui abaixo:
Ponto prévio 2: deixei de fumar mas, meses antes de o fazer efectivamente, passei a fumar onde os fumadores agora têm de fumar lá nosítiondéqueutrabalho, proibi(-me) o fumo no meu gabinete, deixei de fumar em casa e, há já muito tempo, deixara de fumar nos balcões que, na sua maioria, ostentavam proibições de fumo. Preferia sempre que possível as esplanas, se a meteorologia não fosse inteiramente adversa (frio ou calor). Fumava mal saía do cinema ou de um concerto ou de uma exposição. Fumava nos restaurantes, nos bares, nos centros comerciais (fora das lojas, bem entendido). Fumava em casa dos meus amigos onde se fumava (bem, isso agora ainda fumo, lá muito de vez em quando). Não fumava nos carros. Em casa da família já me tinha remetido ao quintal ou à varanda há vários anos. Na rua também, pois.
Ponto prévio 3: já o escrevi aqui, para mim seria muito melhor um mundo onde ninguém fumasse porque assim a minha vontade de fumar dependeria exclusivamente de mim e isso eu vou dominando, umas vezes pior que outras, mas com sucesso em 97% das vezes. Fixe, fixe, era deixar de haver tabaco. Mas não pode ser. Nem faria sentido. Sobretudo porque eu concordo muito com o que a isabela escreveu e, por isso mesmo, vou reproduzi-lo na íntegra aqui abaixo:
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Um amigo sueco é grande viciado em snus - tabaco sueco para chupar. Traz consigo duas caixas, sempre: uma com saquetas semelhantes às da imagem, que vai entalando nos maxilares, e outra onde coloca as que consumiu, porque não lhe passa pela cabeça atirá-las para o chão.
Não me incomoda que as pessoas bebam até cair ou inalem coca, desde que, naturalmente, curem as suas nódoas negras e acarretem sozinhas as vantagens e desvantagens dos seus vícios. Também não me importa que produzam quilos de lixo, desde que não o atirem para o chão, reservando-o para os contentores próprios. A mim, confesso, custa-me um bocado apanhar as poias das cadelas que passeio lá fora, e o acto tira-me alguma classe momentânea, pelo menos aos olhos dos outros transeuntes, mas vergo a espinha e recolho-a em pequenos sacos que atiro para o primeiro caixote do lixo. É a minha obrigação enquanto cidadã. É assim que tem de ser, porque a minha liberdade individual não deve restringir as liberdades dos outros.
Quem vive em sociedade tem de compatibilizar as suas liberdades com as dos demais. Trata-se de um elementar exercício de cidadania. O que vinha acontecendo até hoje é que os fumadores gozavam de direitos especiais. Vivíamos, sim, o fundamentalismo dos fumadores. Um mundo de pernas abertas para eles. A permissão do fumo em espaços fechados e públicos tem sido o equivalente a roer as unhas no café, e, a seguir, cuspir os despojos para a mesa ao lado. O que acharia o senhor Antunes, a beber a sua meia de leite, ou não, enquanto lê o calmo jornal, se eu, na mesa contígua, me lembrasse de lhe atirar para cima meia dúzia de lascas de unha? Eu bem sei que os fumadores sentem que estão a ser perseguidos, que são vítimas de uma terrível injustiça, remetidos para um terrível gueto de exclusão, etc., etc. , mas a coisa é simples: não têm razão. Nunca tiveram. Ninguém lhes nega o direito a fumar, têm é de guardar para si o seu vício ou o seu hobby, como quer que o encarem. O grande problema é que até ontem aquilo que os fumadores consideravam a sua liberdade, tratava-se apenas do seu conforto, em detrimento do dos que partilham consigo o espaço social. O conforto dos fumadores tem sido a prisão dos outros, o gueto dos outros.
Quando estou a beber o meu café, a minha presença apenas incomoda o outro na medida em que não goste do meu aspecto ou do que me ouve dizer. Não ajo de forma a prejudicar a integridade de ninguém, mas os fumadores tem agido de forma a prejudicar-me com o fumo que produzem, o qual me afecta do ponto de vista físico e imediato. Lamento ver-me obrigada a recordar isto aos eminentes poetas, escritores e pensadores que lêem O Mundo Perfeito, mas o exercício democrático do direito a fumar colide com o exercício democrático do direito a não fumar. Considerando que o natural é não fumar, por se tratar o consumo de tabaco de um comportamento desnecessário à vida, portanto acessório, sobretudo perante a urgência de que se reveste o acto de respirar, é da mais elementar justiça que os fumadores se adaptem a um espaço que não é só deles mas de todos. Se isto lhes custa muito, paciência. É assim que deve ser.
Soluções? E que tal mascar folhas de tabaco?"
2 comments:
Só queria dizer umas coisas, no pressuposto de que sou uma cidadã tão respeitável como a autora do post, e sim, também eu apanho o cocó do meu cão quando o levo a passear.
Primeiro: se a nossa vida se resumisse ao indispensável à vida ainda estávamos a viver na caverna, e não seria platónica.
Segundo: suponho que a autora do post não tem carro, já que seria uma infelicidade eu, que não o tenho, cruzar-me um dia com ela na rua e ter de respirar do seu escape privado
Terceiro: o problema da proibição do fumo não tem a ver com civismo, porque se fosse um problema de civismo, haveria locais para fumadores e locais para não fumadores, tout court, o que não é o caso. O problema da lei anti-tabaco, para além de ser uma peneira a querer tapar o sol e de consubstanciar uma preocupação de quem está de barriga cheia (morre-se mais de fome no mundo do que de cigarros), é que pressagia uma vigilância tenebrosa sobre a vida privada das pessoas e esconde uma visão do mundo sem risco, entrópica e, já agora, totalmente entediante.
Se estão tão preocupados com a saúde, proibam os cigarros: mas onde ir buscar depois a grana choruda que o estado aramazena com o fumo?
Fumar ou não fumar não classifica ninguém. Sentir prazer em proibir o prazer dos outros, ah, isso sim. E, para isso, já me bastou um senhor do bigodinho que não fumava, era vegetariano e muito amigo do cão dele. Morreu na mesma, graças a deus.
Há sempre pelo menos dois pontos de vista para cada questão. Nesta, pessoalmente, debato-me interiormente pelo menos com uns três. No entanto, o argumento saúde - que me fez deixar de fumar - nunca deixará de me soar coerente. A má consciência por ter obrigado tanta gente a respirar o meu fumo não me atormenta nem pesa, mas, em boa verdade, fi-lo. E morre-se por causa do fumo dos cigarros. Como escreveste no teu blog: "It’s better to die from something than from nothing." Mas se puder não ser a contorcer-me com dores e a mendigar cada inspiração, melhor.
E a lei anti-tabaco não pressagia vigilâncias. Vigilâncias que me assustam mesmo são aquelas que já são a coluna vertebral do conforto do nosso quotidiano: os logins, os multibancos, os telemóveis, as portagens, as videovigilâncias, o controlo dos acessos, etc, etc, etc. Jogos em que a contrapartida é exclusivamente a segurança e o controlo.
E ficava aqui a perorar mais tempo, mas o trabalho chama e esta conversa toda dá-me mesmo vontade de fumar.
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