Por mais vezes que Nick Cave venha a Portugal, cada visita terá sempre honras de estreia. Há 20 anos que o australiano, tão somente uma das mais influentes figuras de sempre do rock, vem ao nosso país agitar as águas e expurgar demónios; há 20 anos que, mais comoção menos comoção, é recebido pelo público como o herói que é.
O concerto de ontem à noite, no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, não fugiu a esta regra. Em apresentação do novo Dig, Lazarus, Dig!!!, Nick Cave foi igual a si mesmo: sedutor, provocante e bravo. Afinal, poucos são os artistas de forte e longo culto a apostar (quase) tudo no disco mais recente, em detrimento de clássicos com cem por cento de probabilidade de agradar à plateia.
Dig, Lazarus, Dig!!!, dizíamos, foi o prato principal da primeira noite da nova digressão de Nick Cave and the Bad Seeds. A «ferrugem» da banda, provocada pela ausência dos palcos, pressentiu-se sobretudo nas longas pausas entre alguns temas. Intervalos aparte, os seis Bad Seeds, distribuídos por três (!) conjuntos de percussão, vários teclados, inúmeras guitarras eléctricas e violino, foram, se não rigorosos, bastante convincentes. Em momentos como «Papa Won’t Leave You, Henry» ou «Get Ready For Love», temeu-se (ou desejou-se...) que a força da percussão, praticamente tribal, levasse abaixo o Coliseu.
Ainda assim, Nick Cave, um mestre na gestão do palco enquanto espaço de sedução e confronto, pediu desculpa pelos erros da banda («a fucking disaster», nas suas palavras) e pareceu ele próprio, a espaços, demasiado descontraído em momentos de solenidade obrigatória («Into My Arms» ao piano, por exemplo).
A noite começou da melhor forma, com os Bad Seeds, agora sem Blixa Bargeld, a ocuparem os seus lugares no palco e a ansiedade do público a crescer – quando chegaria Nick Cave? E como?..
Gigante em altura e ínfimo em largura, o homem que agora usa um farto bigode saudaria os fãs segundos depois, segurando na mão uma pandeireta com a qual veio a lançar as fundações de «Night of the Lotus Eaters», uma das mais hipnóticas músicas do novo disco.
O concerto de ontem à noite, no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, não fugiu a esta regra. Em apresentação do novo Dig, Lazarus, Dig!!!, Nick Cave foi igual a si mesmo: sedutor, provocante e bravo. Afinal, poucos são os artistas de forte e longo culto a apostar (quase) tudo no disco mais recente, em detrimento de clássicos com cem por cento de probabilidade de agradar à plateia.
Dig, Lazarus, Dig!!!, dizíamos, foi o prato principal da primeira noite da nova digressão de Nick Cave and the Bad Seeds. A «ferrugem» da banda, provocada pela ausência dos palcos, pressentiu-se sobretudo nas longas pausas entre alguns temas. Intervalos aparte, os seis Bad Seeds, distribuídos por três (!) conjuntos de percussão, vários teclados, inúmeras guitarras eléctricas e violino, foram, se não rigorosos, bastante convincentes. Em momentos como «Papa Won’t Leave You, Henry» ou «Get Ready For Love», temeu-se (ou desejou-se...) que a força da percussão, praticamente tribal, levasse abaixo o Coliseu.
Ainda assim, Nick Cave, um mestre na gestão do palco enquanto espaço de sedução e confronto, pediu desculpa pelos erros da banda («a fucking disaster», nas suas palavras) e pareceu ele próprio, a espaços, demasiado descontraído em momentos de solenidade obrigatória («Into My Arms» ao piano, por exemplo).
A noite começou da melhor forma, com os Bad Seeds, agora sem Blixa Bargeld, a ocuparem os seus lugares no palco e a ansiedade do público a crescer – quando chegaria Nick Cave? E como?..
Gigante em altura e ínfimo em largura, o homem que agora usa um farto bigode saudaria os fãs segundos depois, segurando na mão uma pandeireta com a qual veio a lançar as fundações de «Night of the Lotus Eaters», uma das mais hipnóticas músicas do novo disco.
Por cima dos músicos, numerosos projectores lançavam numa tela as sombras de cada Bad Seed; a mais irrequieta era, claramente, a de Nick Cave, que aproveitando a aura malévola da canção, segurava a pandeireta como quem esgrime um artefacto de voodoo. Não nos surpreenderia vê-lo a agarrar um coelho pelo pescoço.
Abanando os braços de forma demente e agradecendo em português, Cave – uma voz que é um 8.9 na Escala de Richter – continuou então a promover o «peixe» novo, desta feita com a contagiante «Today’s Lesson» que, à BLITZ, revelara ser uma das suas canções mais negras. No Coliseu, porém, o registo «rock got soul» e o refrão que convida à partilha - «we’re gonna have a real gooood time» - fizeram mais pela festa do que pela reflexão.
Estava próxima a primeira descida de Nick Cave ao mundo dos mortais, ou seja, a primeira aproximação aos fãs mais afoitos que se acotovelavam junto às grades: na incendiária «Red Right Hand», do álbum Let Love In , voou na plateia um rolo de papel higiénico e em palco a pandeireta de Cave, a primeira de muitas sacrificadas às suas mãos.
O embalo serviu aos Bad Seeds para apresentarem, de rajada e com elevados níveis de aprovação, a nova «Dig, Lazarus, Dig!!!», com o palco a exibir os mesmos neons do teledisco, e a clássica «Tupelo», de 1985, manobrada por Nick Cave em modo exorcista e incrivelmente magnético.
A emoção de estar – nalguns casos, pela primeira vez – frente ao seu herói, ou o desconhecimento do material novo, fizeram com que o público se quedasse, por vezes, num transe silencioso, extático. As grandes explosões dos refrões e as músicas mais populares serviam de escape «enérgico» à multidão, que aproveitava estas ocasiões para dar provas do seu afecto – assim foi com «Deanna», que gerou a primeira «maré» de palmas espontânea da noite, ou «The Ship Song», logo de seguida.
Muitas das novas músicas foram conquistando os presentes, com a sua apetecível combustão lenta: foi o caso de «Lie Down Here (& Be My Girl)» ou «More News From Nowhere». Mas as grandes vencedoras da noite, no que toca a sintonia entre empenho da banda e adesão do público, terão sido mesmo as veteranas «Papa Won’t Leave You, Henry» e «Stagger Lee», que encerrou o alinhamento principal.
Para o primeiro dos encores, Nick Cave reservou alguma interactividade com o público, que convidou a entoar, alternadamente, a deixa «Oh Mama!» do tema «The Lyre of Orpheus». Não obstante algumas entradas em falso («you fucking idiots», rezingou), a brincadeira deu o tom galhofeiro ao encore, no qual os espectadores puderam pedir algumas das suas músicas favoritas. Da anárquica sessão de discos pedidos saíram «Wanted Man», a versão de Bob Dylan, ontem à noite com referências a Lisboa e Porto na letra; «Your Funeral My Trial»; «Straight Into You» e «Into My Arms», a gerar no Coliseu dos Recreios o coro mais certeiro da noite.
Na derradeira subida ao palco – e Nick Cave era mais aplaudido de cada vez que aparecia e tornava a aparecer – os Bad Seeds ofereceram a Lisboa «a música que vos diz tudo o que querem saber sobre o mundo» («We Call Upon The Author, do novo álbum); uma canção escrita «para Bobby Gillespie ou Jarvis Cocker, já não sei bem» («Albert Goes West»), e «Nobody’s Baby Now», de Let Love In . Inesperado? Sem dúvida. Mas valia tudo na noite de estreia da primeira digressão dos Bad Seeds em três anos.
«I love you», confessou-se Nick Cave a certa altura, dirigindo-se ao sem fim de adoradores que lhe pediam (ainda) mais músicas. «Even you, you fucking staring statue», acrescentou segundos mais tarde, referindo-se provavelmente a um dos seguranças do espectáculo. Com menos ironia mas igual intensidade, o artista viu ontem retribuído o seu amor pelo público lisboeta. Hoje, é a vez do Porto.
Abanando os braços de forma demente e agradecendo em português, Cave – uma voz que é um 8.9 na Escala de Richter – continuou então a promover o «peixe» novo, desta feita com a contagiante «Today’s Lesson» que, à BLITZ, revelara ser uma das suas canções mais negras. No Coliseu, porém, o registo «rock got soul» e o refrão que convida à partilha - «we’re gonna have a real gooood time» - fizeram mais pela festa do que pela reflexão.
Estava próxima a primeira descida de Nick Cave ao mundo dos mortais, ou seja, a primeira aproximação aos fãs mais afoitos que se acotovelavam junto às grades: na incendiária «Red Right Hand», do álbum Let Love In , voou na plateia um rolo de papel higiénico e em palco a pandeireta de Cave, a primeira de muitas sacrificadas às suas mãos.
O embalo serviu aos Bad Seeds para apresentarem, de rajada e com elevados níveis de aprovação, a nova «Dig, Lazarus, Dig!!!», com o palco a exibir os mesmos neons do teledisco, e a clássica «Tupelo», de 1985, manobrada por Nick Cave em modo exorcista e incrivelmente magnético.
A emoção de estar – nalguns casos, pela primeira vez – frente ao seu herói, ou o desconhecimento do material novo, fizeram com que o público se quedasse, por vezes, num transe silencioso, extático. As grandes explosões dos refrões e as músicas mais populares serviam de escape «enérgico» à multidão, que aproveitava estas ocasiões para dar provas do seu afecto – assim foi com «Deanna», que gerou a primeira «maré» de palmas espontânea da noite, ou «The Ship Song», logo de seguida.
Muitas das novas músicas foram conquistando os presentes, com a sua apetecível combustão lenta: foi o caso de «Lie Down Here (& Be My Girl)» ou «More News From Nowhere». Mas as grandes vencedoras da noite, no que toca a sintonia entre empenho da banda e adesão do público, terão sido mesmo as veteranas «Papa Won’t Leave You, Henry» e «Stagger Lee», que encerrou o alinhamento principal.
Para o primeiro dos encores, Nick Cave reservou alguma interactividade com o público, que convidou a entoar, alternadamente, a deixa «Oh Mama!» do tema «The Lyre of Orpheus». Não obstante algumas entradas em falso («you fucking idiots», rezingou), a brincadeira deu o tom galhofeiro ao encore, no qual os espectadores puderam pedir algumas das suas músicas favoritas. Da anárquica sessão de discos pedidos saíram «Wanted Man», a versão de Bob Dylan, ontem à noite com referências a Lisboa e Porto na letra; «Your Funeral My Trial»; «Straight Into You» e «Into My Arms», a gerar no Coliseu dos Recreios o coro mais certeiro da noite.
Na derradeira subida ao palco – e Nick Cave era mais aplaudido de cada vez que aparecia e tornava a aparecer – os Bad Seeds ofereceram a Lisboa «a música que vos diz tudo o que querem saber sobre o mundo» («We Call Upon The Author, do novo álbum); uma canção escrita «para Bobby Gillespie ou Jarvis Cocker, já não sei bem» («Albert Goes West»), e «Nobody’s Baby Now», de Let Love In . Inesperado? Sem dúvida. Mas valia tudo na noite de estreia da primeira digressão dos Bad Seeds em três anos.
«I love you», confessou-se Nick Cave a certa altura, dirigindo-se ao sem fim de adoradores que lhe pediam (ainda) mais músicas. «Even you, you fucking staring statue», acrescentou segundos mais tarde, referindo-se provavelmente a um dos seguranças do espectáculo. Com menos ironia mas igual intensidade, o artista viu ontem retribuído o seu amor pelo público lisboeta. Hoje, é a vez do Porto.
Texto (da Lia Pereira, uma das melhores repórteres de concertos do Universo conhecido) e fotos retirados da Blitz. Com alinhamento e mais fotos aqui.
16 comments:
ai deuses.
homem do crl!
Eishe, agora até me assustei!...
Obrigada Cristina, mas a Rita Carmo é que é : )
Beijinhos,
Lia
PS - Ontem cheguei a casa e comi dois biscoitos. Lembrei-me da tua doutora!...
nem mais!
tudo tal e qual ao que aqui está escrito.
De nada, Lia. É merecido. Gosto mesmo de ler os teus relatos dos concertos. Estão sempre muito bem escritos e são absolutamente fiéis. Tanto no que respeita ao espectáculo como à(s) tribo(s) circunvizinha. E isto não é elogio por elogio. Tens uma longa legião de fãs que eu conheço. ;)
Se os biscoitos forem sem recheio ou cremes, tásse, a Dra. deixa. Eu própria posso comer 2 bolachas antes de nanar.
outra fan q se acusa :PPP
[off topic] então não é que ontem, enquanto via o irmãos & irmãs (don't ask), começo a ouvir uma melodia familiar, e percebo ao fim de poucos segundos (sim, porque apesar de não ser indie sou rápida), que a canção que estava a passar era nada mais, nada menos do que o start a war dos nossos bem-amados national? acho que da próxima vez que puserem os cotinhos vai ser no rock in rio, ou coisa que o valha...
Estás a falar da Sally Field e dos National no mesmo espaço criativo, ex?
Por falar em Sally Field, tu sabes o que admitires que vês essa série faz à tua (já diminuta agora) credibilidade indie?!?!?
yeap, sally-olhinhos-de-cão-triste-field e matt berninger y sus muchachos tudo junto. nos primeiros micrsegundos instrumentais, ainda estava naquela: naaaaaa, não pode ser. quando os microsegundos se transformaram em segundos e deram lugar à letra, já não havia lugar para dúvida. a parte boa foi eu poder pensar: fogo, hoje valeu a pena ver esta caca.
e peese, alice, give my indie credibility (isto diz-se?) a break... já está tão arrasada, a coitadinha... e a pobre tem direito aos seus guilty pleasures, não é?
tb ouvi, mas foi na sexta-feira passada ;)
Bela merda de concerto, o do Cave.
Podes ter guilty pleasures, mas com a Sally Field a coisa já começa a descambar para a psicanálise. A tua sorte é que arranjas sempre maneira de me dar a volta com novos nichos de mercado.
O QP está claramente mal-humorado, diria eu. :D
Conclusão: um concerto parecidíssimo com o do Porto, exceptuando a parte de ter tocado o Into My Arms. Ele começou, isso começou...mas ao fim de uns segundos, havendo um problema qualquer com o baixo, disse "fuck it", saiu do piano e não voltou a tentar. Mas por aquilo que vi no youtube, ainda bem que não a tocou. Eu já tinha tido a sorte de vê-lo ao vivo e de ter ouvido essa música, mas se é para alterá-la da maneira como o fez, mais vale estar quietinho. Há coisas sagradas.
Ah. e ele disse que os coros "Oh Mama" entoados em Lisboa tinham sido "pretty good". Sabes que desconfio sempre das mentirinhas, mas desta vez não foi o caso. O que já me pareceu mentira foi ele ter dito que os nossos coros foram melhores que os vossos. Ó por favor. (ah e poupem-me às rivalidades norte-sul, acho-as patéticas)
*
a expressão exacta que o cave utilizou para se referir ao coro em lisboa foi, mais coisa menos coisa, isto: "you fucking idiots".
alicinha, o QP devia mesmo estar com os azeites porque, aparte a caca de som, o desafinanço e sei lá mais o quê, diverti-me à bravinha. e lembro-me dele muito divertido no final do concerto a dizer: foi simpático da parte dos senhores terem-nos deixado assistir ao ensaio :D
já agora, grazie pelos b'lhetes.
"you fucking idiots", é isso. Mas foi um you fucking idiots muito carinhoso e, sobretudo, com um tom que trazia imbuído o reconhecimento pela excelência do coro. Sem dúvida, elogio p'ra crl. :D
"foi simpático da parte dos senhores terem-nos deixado assistir ao ensaio"
:D:D:D:D:D Eu sabia que ele havia de ter passado por cá num dia menos melhor. Não há como uma estreia para nos revelar que somos todos pessoas ómanas. :D
Em princípio irei vê-lo agora dia 3 em Dublin...seguramente acompanhada de um Jameson e talvez de um gressino de azeitona preta (se, até lá, souber o que é!)
:)
Post a Comment