October 04, 2008

a pesca. o pescador. as canas.

(...) Como foi possível passar da contestação à obediência, da revolta à "servidão voluntária" como lhe chamava La Boétie? Indiquemos um só mecanismo que o Governo utiliza: a ausência total de resposta a todo o tipo de protesto. Cem mil pessoas na rua? Que se manifestem, têm todo o direito - quanto a nós, continuaremos a enviar-lhes directivas, portarias, regulamentos a cumprir sob pena de (existe na lei). Ausentando-se da contenda, tornando-se ausente, o poder torna a realidade ausente e pendura o adversário num limbo irreal.

Deixando intactos os meios da contestação mas fazendo desaparecer o seu alvo, desinscreve-os do real. É uma técnica de não inscrição. Ao separar os meios da alvo, faz-se do protesto uma brincadeira de crianças, uma não-acção, uma acção não performativa. Esta reduz-se ao puro discurso contestatário, esvaziado do conteúdo real a que reenviava (é o avesso, no plano de acção,do enunciado performativo de Austin: um acto que é um discurso). (...)

José Gil, in Visão, "A domesticação da sociedade"


(...) Alguma coisa de profundo foi modificada nos hábitos políticos. "O lobo mudou de pele?", interroga-se o historiador Paolo Prodi. "O autoritarismo exprime-se com meios novos. Já não há necessidade de 'fasci'. Nem de arame farpado. Nem de assassínios. Nem de aventuras coloniais." Porque Berlusconi foi suficientemente hábil para criar uma rede de jaulas invisíveis. (...)

Marcelle Padovani, in Visão (com Nouvelle Observateur), "O 'homo berlusconis'"

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