July 12, 2009

nordestada

A ditadura do tempo só deixa indiferentes os que já aprenderam a ignorá-la e eu não me incluo nesse grupo de iluminados, ou seja, só fui experimentar o Aqui há Peixe quando já tinha passado a chamar-se Praia da Peixe. Criada por estes lados, não ia para aqueles bem antes de a praia do Pêgo e a praia do Carvalhal se terem tornado um reduto de fim-de-semana e férias de privilegiados com dress code de praia (este ano muito na onda da túnica até aos pés com pouca cor, cestas em justo tiracolo e sandálias rasas, entre dedão e dedo-médio, com presilha atrás, tudo muito lounge-inofensivo, a confirmar a profecia buñueliana) e lá fui ter, numa efeméride atrasada. Muito no air du temps daquela latitude, o parque não pago fica a cerca de 1 km da praia (andar faz bem à coxa e ao bum-bum) e o pago - todo organizado e muito clean, se optarmos por ignorar que no melhor pano cai a nódoa e que muitos bólides de maior cilindrada não estão estacionados nos lugares legais, independentemente da interferência que isso traz aos restantes convivas - custa 4 €, ou seja, nada como dar a volta ao bonito princípio socialista de não haver praias privativas no rectângulo.

O restaurante é muito bonito, com uma esplanada virada para a praia, belíssima ela também e aprazível, não fora a nordestada que se vem imposto estes últimos dias, literalmente arrepiando os realistas que dela se chegam perto. A hostess é profundamente antipática, mas a relação com ela acaba mal nos conduz à mesa, o que diminui o desconforto e a vontade de retribuir em moeda de mais-valia. O resto do serviço é despachado mas não desliza, parece sempre que fazem aquilo há pouco tempo ou que preferiam um part-time de seguro automóvel em Bombaim, ou seja, dá muito a ideia que têm mais que fazer e que se esforçam. Muito. O azeite da salada de polvo devia ser melhor, mas o bicho estava tenrinho e honestamente temperado. A salada de ovas não experimentei porque ainda não compreendo a razão de ser de se comer daquilo. Aconselharam-nos um vinho, Pedro Milanos, do Douro. Não gostei nada e tive companhia na mesa, ou era daquelas experiências que só passam porque quem experimenta o vinho é muito amigo do criador ou então eu ainda tenho de beber muito, muito para chegar a achar aquilo bom. Porém, prefiro experimentar que ir para as garrafas do costume, para as de sucesso certinho, até porque a exclusão de partes é um critério tão bom como qualquer outro.

A sopa de peixe estava saborosa, mas não surpreendia (cá para nós, eu acho que era capaz de cozinhar aquilo e não sou grande espingarda na cozinha) e o arroz negro de choco também pedia mais arrojo e vontade, se bem que imagino que possa colher elogios. Como vi na montra de um restaurante ainda há pouco tempo: "if you want good home cooking, eat at home". Na sobremesa, protagonizava o "melhor bolo de chocolate do mundo" esse sim, uma desilusão em toda a linha: açúcar, açúcar, açúcar e uma bola de gelado de lima do Santini para disfarçar o enjôo. Será que nunca experimentaram um belo Floresta Negra, todo complexo, entre amargos de arrepio e doces redentores?!

Bonito que é, não me vou poupar a uma segunda tentativa mas, se for eu a pagar, não deixarei de os fazer sentir que isso de esperar pela conta não faz exactamente o meu género e que aquele bonito passadiço em madeira pode servir para virem atrás de mim com o terminal multibanco.

4 comments:

pennac said...

Pois, lamento por ti. Especialmente porque acabei de ter uma epifania gastronómica, infelizmente fora do rectangulo, mais concretamente em Madrid. No final dei por mim a pensar "ah, então é isto a verdadeira dieta mediterrãnica...". Desde a lagosta, passando pelo rodovalho, até ao café e "puro" final, a tudo se aplicava a máxima: se melhorar, estraga.

Mr. Steed said...

Olha, a menina Alice foi mordida pelo Quitério...

menina alice said...

Também já estás a trabalhar, Steed? (como eu e o Mourinha?)

pennac, apesar de já o ter partilhado contigo, que fique aqui expresso que estou um nadinha inbejuosa dessa tua epifânia, ok?

João Lisboa said...

Tira mazé o chapelinho do "a".