Se há sensação que gosto no Porto é a de me perder. E perder não é ir à procura de pechinchas ou de fazer de conta que não sei onde estou. Perder-me no Porto é realmente não saber onde estou a maior parte das vezes. Esse perder tem uma de duas dimensões: numa delas até conheço o lugar onde estou, mas não faço a mínima ideia de como se vai de A para B, e outra - felizmente cada vez menos comum -, é nem imaginar que raio de sítio é aquele, o muito britânico not having the slightest clue. Não reste dúvida que este meu talento para me desorientar no Porto tem muito a ver com as pessoas do Porto andarem sempre a dar grandes voltas para irem a algum sítio, só para diminuirem a circunstância incontornável de o Porto ser mais pequeno que parte dos subúrbios de Lisboa (ou até, diga-se em abono da verdade, dos seus próprios subúrbios). Feito este esclarecimento, tenho de admitir que é uma delícia ver os gajos do Porto à procura de um restaurante ou de uma loja, apalpando e agarrados ao GPS, como se ali estivessem pela primeira vez.
Foi assim no Sábado. Depois de uma tentativa frustrada para ir à loja do senhor simpático que vende capas plásticas para os vinis (só abre durante a semana...), fomos dar um beijinho à Tia Suzy (que se chama tudo menos algo que se possa diminuir para Suzy) e ela, simpática e orgulhosa da sua cidade, tirou-nos da ideia o destino marítimo para o almoço e fez-nos procurar um graal típico, a Adega do Olho. Explicou-nos onde não era e deu uma ideia aproximada de onde seria. Alertou para que a indicação na porta do restaurante dizia "Adega do" e depois tinha mesmo um olho desenhado. Andámos para cima, andámos para baixo. Perguntámos. Parámos a ver se estávamos a ver mal. Voltámos ao início. Perguntámos outra vez e só passadas algumas voltas encontrámos o recanto mágico onde se escondia o restaurante do Sr. Sousa.
Está bom de ver que, àquela hora, a hora do almoço, não havia lugar para almoçar. Se esperássemos uns 20 ou 25 minutos... Que sim, que esperávamos. A sorte e a moderada incapacidade do anfitrião para prever o futuro fizeram-nos entrar quase de seguida e, minutos depois, estávamos mergulhados numas tripas (aqui o plural é mesmo eufemismo porque me recuso a comer partes de dentro de animais, sobretudo se tiverem a ver com o cocó ou xixi) e nuns suculentos filetes de pescada, ambos acompanhados por um arroz igual ao que a minha Avó Dade fazia num tacho milagroso, já com as pegas todas beiçadas e escuros do lume do fogão.
As rabanadas da sobremesa eram diferentes de todas as que já experimentei, feitas em carcaça e com o pão quase a ficar cremoso. Estavam umas décimas abaixo das rabanadas da Avó Dade, mas a diferença não permitiu um julgamento comparativo credível. São, definitivamente, a experimentar.
O Sr. Sousa ostenta um farfalhudo bigode. Farfalhudo ao ponto de nem permitir adivinhar a forma dos lábios, e é comerciante atarefado e pouco dado a conversas enquanto trabalha. Contudo, estando a casa mais aliviada de clientela, se o elogiarem o suficiente, dispõe-se a um convívio cordato e credor de mais mercês. Como se fosse a primeira vez, perguntou se podia fazer a conta na toalha de papel e amontuou com a esferográfica uns elegantes e enormes números de euro, a pedir espaço para emitir a sentença financeira do repasto.
Saímos do restaurante com promessas de regresso e a dar alvíssaras à Tia Suzy, que nos tinha (apenas) encaminhado para tão prazenteira surpresa. Trouxe a conta comigo e não foi só porque eramos cinco e pagámos tão pouco. O Sr. Sousa, quando me viu a sacar da máquina fotográfica, não disfarçou o orgulho e contou que até há uma senhora, que agora já quase não vai lá, mas que um dia até levou a câmara e esteve a filmá-lo a fazer a conta. Tudo isto enquanto nos ensinava como de faz a prova dos 9.
Foi assim no Sábado. Depois de uma tentativa frustrada para ir à loja do senhor simpático que vende capas plásticas para os vinis (só abre durante a semana...), fomos dar um beijinho à Tia Suzy (que se chama tudo menos algo que se possa diminuir para Suzy) e ela, simpática e orgulhosa da sua cidade, tirou-nos da ideia o destino marítimo para o almoço e fez-nos procurar um graal típico, a Adega do Olho. Explicou-nos onde não era e deu uma ideia aproximada de onde seria. Alertou para que a indicação na porta do restaurante dizia "Adega do" e depois tinha mesmo um olho desenhado. Andámos para cima, andámos para baixo. Perguntámos. Parámos a ver se estávamos a ver mal. Voltámos ao início. Perguntámos outra vez e só passadas algumas voltas encontrámos o recanto mágico onde se escondia o restaurante do Sr. Sousa.
Está bom de ver que, àquela hora, a hora do almoço, não havia lugar para almoçar. Se esperássemos uns 20 ou 25 minutos... Que sim, que esperávamos. A sorte e a moderada incapacidade do anfitrião para prever o futuro fizeram-nos entrar quase de seguida e, minutos depois, estávamos mergulhados numas tripas (aqui o plural é mesmo eufemismo porque me recuso a comer partes de dentro de animais, sobretudo se tiverem a ver com o cocó ou xixi) e nuns suculentos filetes de pescada, ambos acompanhados por um arroz igual ao que a minha Avó Dade fazia num tacho milagroso, já com as pegas todas beiçadas e escuros do lume do fogão.
As rabanadas da sobremesa eram diferentes de todas as que já experimentei, feitas em carcaça e com o pão quase a ficar cremoso. Estavam umas décimas abaixo das rabanadas da Avó Dade, mas a diferença não permitiu um julgamento comparativo credível. São, definitivamente, a experimentar.
O Sr. Sousa ostenta um farfalhudo bigode. Farfalhudo ao ponto de nem permitir adivinhar a forma dos lábios, e é comerciante atarefado e pouco dado a conversas enquanto trabalha. Contudo, estando a casa mais aliviada de clientela, se o elogiarem o suficiente, dispõe-se a um convívio cordato e credor de mais mercês. Como se fosse a primeira vez, perguntou se podia fazer a conta na toalha de papel e amontuou com a esferográfica uns elegantes e enormes números de euro, a pedir espaço para emitir a sentença financeira do repasto.
Saímos do restaurante com promessas de regresso e a dar alvíssaras à Tia Suzy, que nos tinha (apenas) encaminhado para tão prazenteira surpresa. Trouxe a conta comigo e não foi só porque eramos cinco e pagámos tão pouco. O Sr. Sousa, quando me viu a sacar da máquina fotográfica, não disfarçou o orgulho e contou que até há uma senhora, que agora já quase não vai lá, mas que um dia até levou a câmara e esteve a filmá-lo a fazer a conta. Tudo isto enquanto nos ensinava como de faz a prova dos 9.
4 comments:
zé quitério: watch out!!! a menina alice não é para brincadeiras quando de crítica gastronómica se trata.
Perco-me sempre no Porto. Em Lisboa também. Aliás, perco-me em todo o lado.
Assim fosse, meu ícone. Era uma profissão bem gostosa.
Tu não te perdes em Lisboa, João. Seria quase paradoxal.
"Tu não te perdes em Lisboa, João. Seria quase paradoxal"
Não é "quase paradoxal", é paradoxal mesmo. E perco-me, sim.
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