September 11, 2011

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NYC-06/2009

Estava, como em quase todos os anos por esta altura, de férias. Evito olimpicamente o Agosto, até porque há menos trânsito em Lisboa, menos colegas, menos chefes, logo, menos stress de última hora (sobretudo dos inventados - as chefias intermédias são especialistas nesses). Depois, os lugares de veraneio estão como se sabe, praias com tanto convívio que parece intimidade e restaurantes com falta de mesas e futuros desempregados sobrecarregados e mal-dispostos.

Tinha ido buscar as minhas avós para almoçarmos junto ao mar, em São Torpes. A minha avó Dade ainda não tinha ficado doente e era ainda sempre a mais bonita do restaurante. A minha avó Mina espalhava o bom-humor com que fica sempre que recebe mimos. Escolhemos um restaurante que existe há uns anos, mas que tinha uma gerência nova, decoração smart-oceânica-zen e uma gerente conterrânea e vizinha da minha avó Mina.

O meu filho tinha um ano e nove meses e estava tranquilo no carrinho. A conterrânea da minha avó, chamada Mila, não parecia muito empenhada em dar-nos um atendimento pelo menos regular e o almoço poderia ter-se tornado desagradável, não fosse estarmos todos embalados pelo Verão, generoso nesse dia. Para tornar tudo numa experiência ainda mais limite, a Mila, quando finalmente veio recolher o pedido, começou a brincar daquela forma muito entendida que algumas pessoas adoptam com as crianças, e acabou por me atirar com o puto ao chão - ainda hoje acreditamos que ele é assim espalha-brasas por causa daquela queda.


Já nas sobremesas tocou-me o telemóvel. Ligavam do trabalho, a minha colega Catarina (que entretanto se mudou de malas e bagagens para o lado negro da força) a perguntar se já sabia o que tinha acontecido e se percebia do que se tratava. Estavam todos a não trabalhar, a ver a televisão da copa e era inacreditável, garantiu-me então. Prometi que lhe ligava quando percebesse, mas acho que me esqueci.

Paguei, deixei as minhas avós nas suas casas e fui para a dos meus pais, a tempo de ver o embate do segundo avião. O meu pai recebeu-nos, naquele a correr de quem se levanta do sofá só mesmo para abrir a porta, e sentámo-nos os três, partilhando boquiabertos aquela imensidão de mundo, a cinza a entrar-nos pelas narinas, as pessoas a correr na nossa direcção, o fogo a queimar-nos as sobrancelhas, os suicídios de tão alto, os pedidos de ajuda aos quais não podíamos corresponder, a imaginação a nem conseguir funcionar porque o que estava a acontecer já era a imaginação toda.

Fomos todos espectadores bem-comportados do espectáculo que o terrorismo deu, as televisões todas oscilaram entre o imperioso informar e o grafismo excessivo, mas somos só pessoas e fazemos todos escolhas erradas. Há hectolitros de tinta e gigabites de largura de rede escritos a propósito, não vou ser eu a trazer novidades. Até porque a mim, o aumento da distância desse dia cinzento escuro e vermelho vem-me roubando objectividade e compostura e, como não consigo ver nada a propósito sem me debulhar em lágrimas, divido-me entre a curiosidade de estar presente neste aniversário macabro, em que uma parte do mundo parou sem nos deixar sair, e a leveza de me ausentar, tergiversando-o.

1 comment:

margarete said...

fiquei a tarde toda na sala de espera dum consultório que partilhava com uma dentista
eu, ela e a assistente a olhar a tv
a maior parte dos doentes faltaram, houve um que ficou 'simplesmente' connosco a olhar a tv
parados, era como estávamos
não falávamos para além de frases pequenas a que ninguém dava resposta

lembro-me de pensar algo estranho como "foi só um avião que embateu no edifício" e querer a toda a força acreditar que era "só isso"

lembro-me de não querer dormir nessa noite e da manhã do dia seguinte com o pensamento "aconteceu mais alguma coisa?"