Os outros maridos do bairro não traziam coisas do trabalho ou traziam porcarias como o da D. Alzira, que interesse pode ter tantos cinzeiros com o emblema da Cuca ou o resto de fazendas que o marido da D. Gilda que trabalhava na Gajajeira trazia, nem para panos de cozinha davam, era o mesmo que não trazerem nada. O pai trazia coisas boas dos navios estrangeiros, levava os camiões carregados de café e trazia-nos coisas tão boas que a mãe deixava de ser a D. Glória que tinha problemas e passava a D. Glória que tinha os seus problemas, o que era completamente diferente de ter problemas, toda a gente tem os seus problemas, mesmo as vizinhas. A mãe mostrava os perfumes franceses e as vizinhas, tem de pôr só umas gotinhas de cada vez, a mãe não as ouvia e encharcava-se com perfume francês, um cheiro tão forte que nos dava tosse e nos punha tontos, ainda bem que os perfumes franceses eram pequeninos e se gastavam depressa. O pior era que quando a mãe voltava a cheirar a água-de-colónia Si Fraîche como todas as vizinhas passava a ser outra vez a D. Glória que tinha problemas ou mesmo a D. Glória que tinha aqueles problemas.
Dulce Maria Cardoso, O Retorno (Tinta-da-China, 2011)
3 comments:
eish, já andas de volta disso?
E a adorar. Tens de ler.
O que li até agora parece-me muito bom (e original). :-)
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