February 23, 2012

vai (work in progress)

Al horria (alforria) é uma palavra de origem árabe que significa a liberdade.

Hoje passam 25 anos da data da morte do Zeca Afonso. A morte é isso também, a alforria. Vivemos, escolhemos, passamos ao lado, tentamos, disfarçamos, apanhamos pedaços, sonhamos, criamos, ficamos cheios de saudades, morremos e soerguemo-nos um bocadinho todos os dias, acordamos, fazemos amor, esperamos que aconteça o que acontecer, ouvimos e ficamos atentos, vemos e ficamos alheados, adormecemos no meio de conversas, apanhamo-nos boquiabertos, partilhamos o melhor de nós, achamos que correu bem, esperamos que da próxima seja melhor, baixamos os braços e lutamos por causas, lemos os nossos livros e os dos outros, paramos a ouvir uma música ou numa montra a observar-nos, levamos os filhos à escola, levamo-los sempre connosco mesmo que estejam longe, separamo-nos, encontramo-nos, revemos os textos, sorrimos aos sorrisos que nos arrepiam, trememos porque arriscámos, falhamos a toda a hora, acreditamos que vamos conseguir e superamos mais um obstáculo, choramos porque estamos felizes e porque ficamos tristes, damos valor a cada gargalhada quando ela rareia, apontamos porque queremos, deixamos ir devagarinho para custar menos, sonhamos acordados casas de cristal e castelos aéreos, atentamos naquela linha de baixo, aceleramos por ali acima, mostramos o que não somos e o que não queremos, esquecemo-nos das coisas, preocupamo-nos em vão e obedecemos ao pré-estabelecido, mentimos sem necessidade, aproveitamos o sol para disfarçar os frios, sentimos o cheiro da Primavera, mergulhamos de cabeça, rebentamos a bolha, comemos sozinhos, recusamo-nos a acreditar, esperamos o impossível, contamos os segundos, acendemos mais um cigarro, demoramo-nos um bocado mais só para não chegarmos sempre a horas, oferecemos flores, aconchegamos a almofada e levantamo-nos porque não conseguimos dormir, ateamos o lume, surpreendemo-nos com flores e olhares que estiveram sempre lá, mudamos o canal, não queremos nada que não nos pertença, respiramos fundo, miramos mais uma vez os vazios da estante, condoemo-nos com o silêncio, baixamos a persiana, alegramo-nos com a alvorada e o pôr-do-sol, tiramos-lhes fotografias, contamos as estrelas com os dedos, a Ursa Maior, a Ursa Menor, Vénus, Cassiopeia, afagamos o pêlo da gata, escrevemos cartas, respondemos, não respondemos, reparamos no orvalho, revemos os textos, cumprimos as regras, esquecemo-nos das coisas ao lume, não atendemos o telefone, maquilhamo-nos ao espelho, escolhemos a roupa para o dia a seguir, corremos o mais que podemos, admitimos que nem sabemos o que estamos a fazer, engolimos as lágrimas, bebemos demais, adormecemos nos braços, amamos tanto, arrependemos-nos tarde, celebramos, damos só um golo no champanhe, deixamo-nos de verdades absolutas, sentimos os lábios sozinhos e os braços vazios, fazemos juízos levianos, escolhas difíceis, cansamos-nos de ler textos tão grandes, deixamos para amanhã. E amanhã... morremos.