December 05, 2007

blog index: má memória

Novos colonialistas desiludidos

As pessoas não mudam. Quando as reencontramos, muitos anos depois, percebemos por que nos afastámos.

A minha mãe acha que vai morrer e não pode deixar-me sozinha no mundo. Por isso, localizou-a. Eu quero estar sozinha no mundo. Quero a minha mãe e mais os amigos que escolhi, e me escolheram. De resto, por favor, deixem-me completamente sozinha no mundo, mas não me ofendam com as palavras brutais que tive de escutar a vida inteira sem poder protestar, e de que fugi quando fui senhora de mim.

A minha mãe deu-lhe o meu número. Ela queria muito falar comigo. Tinha-me perdido o rasto. Tinha saudades da doce menina perdida: eu. Em 20 minutos, o passado bateu-me no rosto com uma fenomenal chapada. "Os negros, os cabrões, os filhos-da-puta. Vim de lá há um ano. Nunca deixei que me faltassem ao respeito. Chamavam-me mamã, chamavam-me tia, e eu dizia-lhes, não sou tua mãe, que eu não sou puta. Nem tia, ó meu cabrão. E não me assaltas que eu sou branca e estrangeira e ponho a polícia atrás de ti, meu escarumba de merda."
Ouvi isto toda a minha vida. Venham-me falar no colonialismo suavezinho dos portugueses... Venham-me cá com essa história da carochinha.

As pessoas não mudam. Um branco que viveu o colonialismo será um branco que viveu o colonialismo até ao dia da morte. E toda a minha verdade é para eles uma traição. Uma afronta à memória do meu pai, mas com a memória do meu pai podemos bem: eu e ele. Se não fosse pela minha mãe, pelo respeito e amor que lhe tenho, rebentava-lhes os olhos com a minha verdade.
Os carniceiros foram todos tão bonzinhos que quando matavam o cabrito davam as vísceras aos pretos. A tripa. A pele. Pagavam-lhes o trabalho escravo com porrada e a farinha, que comiam com as mãos, aqueles porcos, e se os faziam trabalhar sete dias por semana, sem horário, era apenas o legítimo tratamento de que precisavam os preguiçosos. Um favor que o branco lhes fazia. Civilizar os macacos. E agora, em Maputo, uma falta de respeito. "Faltamos lá nós. Têm saudades. Um branco é constantemente assaltado. Na rua. Em casa. Roubam-nos tudo, os cabrões."

"E, olha, assim que puderes vem cá visitar a madrinha."

Pode bem esperar sentada.

d' O Mundo Perfeito



E, no entanto, há pessoas destas que amamos.

6 comments:

João Lisboa said...

"E, no entanto, há pessoas destas que amamos"

Dessas é difícil.

Só não é integralmente verdade que "um branco que viveu o colonialismo será um branco que viveu o colonialismo até ao dia da morte".

Scarlata said...

Ali este post deu origem ao meu extravios, eu gostava imenso de o ter comentado, mas como nao posso, nao tenho meios de poder expressar o que queria deixei estar.
Estou com a autora, é-me impossivel conviver com tais elementos (os que descreve).

Seria Talvez: E, no entanto, há pessoas deste tipo que amamos.

P.S. Eu nao sei se amo. :§

menina alice said...

É difícil se pensarmos em termos de grau e em tudo o que a idade atenua. Mas há tiques que perduram e vêm à superfície de vez em quando. Mesmo em quem se ama. E depois há os outros, os que vão ser sempre Homem Branco. Conheço.

O que é "extravios", scar?

Scarlata said...

é aquele meu post onde bla bla eu ja nao falo portugues... enfim extraviei-o. :§

menina alice said...

Já sei qual é. Eu não estou a receber notificações de comentários... :S

Menina Limão said...

eu também estive sem receber notificações. tive de fazer um novo "aplicar" apesar de não ter feito qualquer alteração.