April 02, 2008

the time of day

Patrícinha quedou-se ali, virada a Vésper, à espera que a viesse buscar o marido. Vinha de mais um destes dias em que se carrega derrotas; o curvar dos ombros para a frente e para baixo eram disso reflexo e marca. Transportara desde a saída, passando por uma língua de gravilha rodeada de canteiros recém-podados e ainda a exalar o cheiro da erva de fresco corte, um vaso grande com uma planta de folhas verdes e brancas que já não terá espaço no novo canto de trabalhar a que a ausência de pontos lógicos no raciocínio a confinou. Enfunada da mais iconográfica e pia vitimização, nunca vai poder confirmar que Ernesto a observou pela janela como ela desejou que observasse. Prenhe de auto-comiseração questionar-se-à sempre da possibilidade de culpa que Ernesto sentiu por ver uma mulher grávida a carregar um volume grande. Patrícinha denega-se responsabilidade e como se lhe denegassem justiça, nasceu da relação directa entre excesso de protecção e a falta de consciência. Os Outros são o relicário da santidade que se sagrou e vão - ela sabe-o - abandoná-la sempre, por ser fraca e medíocre. A lei da selva que tanto apraz à imolação. Ernesto aproxima-se agora dela e passa sem a ver porque sempre conseguiu pôr as pessoas transparentes. Ela, sabendo que ele não responderia, cobra-lhe um cumprimento e sorri quando confirma o quanto sofre.

6 comments:

Menina Limão said...

gosto tanto do teu teatrinho de fantoches.

Carlos Santos said...

Olha, déjà-vu.

Só que, não por causa de uma gravidez, mas sim por causa de um esgotamento nervoso que os Outros lhe ejacularam. No fundo, uma gravidez, sim. E o Ernesto, ah!, esse, não teve sequer coragem de se cruzar com ela, nem mesmo a olhar pela janela.

"A lei da selva que tanto apraz à imolação."

Siga...

Carlos Santos said...

Siga a vida, claro.

menina alice said...

"gosto tanto do teu teatrinho de fantoches"

Sabes que às vezes penso que "os maus" sou eu... será?

O problema dela não é tanto o pobre infeliz que tem na barriga, Nick, mas o cérebro que, a ter existido, há muito partiu. A vida segue? Claro que segue. Não nos vamos atrapalhar com miudezas destas.

Menina Limão said...

és má o suficiente para nos relatares os podres alheios.

menina alice said...

Relataria se os conhecesses. Assim são just another guy. E digo-te isto no dia em que ganhei mais um fantoche. :D >:>