June 16, 2009

o alfabeto. a lua.

São nossos os nossos segredos. O momento em que apagamos a luz, o lado que miramos ao acordar, a última palavra antes do silêncio, o pedaço de sonho que escondemos e o que revelamos, a luz do candeeiro ou a lua por detrás dele, a faca de cortar a fruta e o pão, a lágrima que deixamos cair e a que sustemos e desejamos seja engolida pelo canto do olho, o segundo em que começamos a bater palmas e o que prenuncia a impaciência, o tom da voz e o gesto que o acompanha, a força da carícia e a intensidade do beijo, a entrega e a distância, a quantidade de água com que regamos as flores, levantar ou dormir para o outro lado. São nossos os nossos segredos.

Lembro-me que, por vezes, pensava que havia tanta gente que não mudava coisas em casa, a sua disposição, a cor, o espaço. Penso agora que deve ser pela garantia que temos de antecipar o aninhar do corpo num lugar que nos vai acolher os movimentos dos ossos e dos músculos para ressoarmos como nós. Como o lado fresco da almofada nos acolhe mais repouso.

E, se concluirmos que há pouco mais que nos mantenha dentro de nós que um cigarro fumado devagar na varanda, de onde depois nem apetece sair mesmo que esteja fresca a noite, que não é preciso mais que um copo para beber um vinho a dois, e que a cama, na realidade, não precisava daquele tamanho todo, provavelmente confirmamos uma e outra vez que, mesmo que não haja transcendências, podemos ter a sorte de olhar de soslaio para o palheiro e encontrar logo a agulha.

Hoje, em modo de distância não escolhida, imodesta, cito-me:
"Para contrapor às coisas-que-não-são-nada-o-que-se-calhar-ainda-é-pior, expliquei-lhe, muito resumidamente, que, das 33 vértebras que equilibram o sentido ascendente da minha coluna vertebral, 17 são minhas, 16 são do Pedro; nas minhas mãos, divido com ele - quase 50/50 - os 27 ossos do carpo, do metacarpo e das falanges; 12 costelas são minhas e as outras 12 dele. Isto para não falar dos ossos dos pés. Todos estes, os fios em que me trago marionete e mestre-bonecreira. Porque não conseguiria crescer ou respirar fundo sem algo muito maior que eu à minha volta. E nunca poderia ser mais ou menos ou assim-assim. O resto é came so far for beauty."

E, com todas as palavras com que desenha a luz, cito-o:



Para que saiba que,

Durante a primavera inteira aprendo
os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
correr do espaço –
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra vai cair da curva sôfrega
dos meus lábios, sinto que me falta
um girassol, uma pedra, uma ave – qualquer
coisa extraordinária.

3 comments:

aNa said...

caramba, que coisa tão bonita!

Veronica Electronica said...

sinto-me esmagada, com tamanha intensidade...
mesmo
lindo, é nada
maravilhoso

obrigada

menina alice said...

bondade vossa, amigas. mas eu aproveito, toda vaidosa. :)***