February 17, 2012

em sonhos é sabido não se morre

Recorria-me um sonho enquanto crescia. Estava num navio imenso, do qual nunca chegava a sequer intuir popa ou proa e uns homens muito maus, decerto criminalmente intencionados (eram assim de criminalidade genérica, gente malvada de largo espectro), perseguiam-me implacavelmente, firmemente decididos a atirarem-me borda fora. Eu fugia como podia, perguntando-me porque raio haviam eles de me querer tanto mal, quando eu nem era pessoa de se reparar muito. Tão-pouco me assaltavam delírios adolescentes de grandeza que pudessem justificar a sanha de tal projecto. Finalmente, encurralada, tentava enfiar-me por uma clarabóia ou lá como se chama aqueles buracos quase redondos nos cascos dos navios. E ficava lamentavelmente presa, tronco e cabeça desamparados do lado do vazio do mar e as pernas ao alcance dos vis algozes. Acordava sempre antes de me alcançarem.

Lembro-me desse sonho muitas vezes e lembrei quando o Saramago contou o sonho recorrente que tinha em criança, no filme José e Pilar, e depois, ao ler o livro com o mesmo nome. E aconteceu-me como a ele: "Mas com o tempo e a repetiçao desse sonho eu acabei por saber que não ia acontecer nada e quando o sonho começava eu já nem me importava muito, porque sabia como ia acabar. Portanto o que podia tornar-se um pesadelo insuportável acabou por se transformar afinal numa espécie de jogo."

Hoje, em mais um destes dias tão intensamente povoados de realidade, nem sei bem porque me voltei a lembrar do sonho. Ou então sei, mas ainda não percebi bem. Mas pode ter a ver com a sensação que temos naqueles filmes em que o protagonista chega a uma aldeia que só parece deserta porque uns estão a fazer a sesta e os que o esperam não contavam com ele tão cedo.

1 comment:

margarete said...

ou para lembrar afinal que, não obstante o momento de aflição, sabemos que it's gonna be alright


"gente malvada de largo espectro" :D:D:D


eu sonhava com um navio tb, no caso não havia gente malvada de largo espectro (até pq eu estava sp sozinha) mas uma tempestade que balouçava o navio, e eu ficava sempre presa às grades pela camisola (pelo cordel do capuz), em vertigem, quase a cair no mar, sabendo que morreria afogada ali ficava à espera de cair enquanto o mar fazia o navio balouçar comigo a ser lançada dum lado para o outro agarrada ao cordel da camisola